PEDRO BELASARTES
Quando Pedro Malasartes chegou à cidade de Batequeixo, que tinha a fama de ser o lugar mais frio do país, a geada havia espalhado pelo chão um tapete alvíssimo. O frio era muito forte e um vento cortante atirava cristaizinhos de gelo contra as paredes e o rosto do viajante.
Pedro caminhava com atenção, procurando chegar à praça principal onde, certamente, encontraria quem lhe indicasse lugar onde dormir, depois de tomar uma sopa bem quente. Em certo momento, pareceu-lhe ouvir, através do vento, um gemido fraco, de criança. Parou, apurou os ouvidos, mas por fim continuou a andar, pensando:
- Bobagem! Deve ter sido uma janela rangendo!
Mal havia dado alguns passos, ouviu de novo o gemido, agora muito distinto. Caminhou decididamente na direção dele e, surpreso, descobriu uma meninazinha triritante, quase morta de frio. Com isso o que se esquentou num momento foi o coração de Pedro.
- Que faz a estas horas e neste lugar? Por que não foi para casa? Está perdida, pobrezinha? Diga-me onde mora e a levarei lá!
- Meu bom senhor, respondeu a meninazinha, bem que gostaria de ir para casa, mas sozinha não posso nem quero ir.
- Quer dizer que está acompanhada? E quem é esse companheiro?... Não vejo!
- É Piloto, o meu cão! O pobrezinho entrou neste jardim à procura de um osso - e isso já faz muito tempo- e não pôde mais sair porque logo fecharam o portão. Está preso com as patinhas debaixo da grade. Por ele é que eu soluçava, e não por mim! Faz tanto frio e cai tanta neve que, se o abandonasse, morreria por certo. Sentei-me e com o avental e as mãos, procuro aquecer o nariz do coitadinho. Pobre Piloto! Seu focinho está como sorvete! Procuramos nos aquecer os dois até que termine a noite e o jardineiro venha abrir o portão.
- Mas você não bateu, chamando alguém?
- Ah, bem que chamei e bati várias vezes! Mas ainda que alguém ouvisse, quem é que vai saltar da cama com um tempo assim, para salvar o cão de uma menina pobre? Teremos que esperar pelo amanhecer, se até então não estivermos mortos. Piloto e eu!
- Isso é que não! - gritou resoluto nosso herói. Não é à toa que sou Pedro Malasartes. Pois desta vez, quem está aqui é Pedro Belasartes! Eles não querem levantar-se para atender a uma pobre meninazinha e salvar um cão, não é assim?! Pois você vai ver, amiguinha, como sem mover os pés deste lugar, porei todo o quarteirão nas janelas. A quem não se move com a bondade toca-se com o interesse.
Dasabotoou o casaco, levou as mãos à boca e começou a gritar tal qual um desesperado:
- Socorro! Incêndio! Socorro! Incêndio! INCÊNDIO!
Esperou um segundo. Parecia até que o vento deixara de soprar ao ouvir o terrível aviso.
- INCÊNDIO, SOCORRO! - gritou novamente.
Não foi preciso mais: num minuto, duas cinco, dez, vinte janelas se iluminaram, se abriram e deram passagem a rostos envolvidos em grossos cobertores, alarmados, perguntando:
- Onde é o fogo? Que é que está queimando?
Pedro pulava e gritava:
Pedro pulava e gritava:
- Aqui! Ali! Desçam, está tudo queimando!
A gente das janelas, despertada no melhor do sono, não pensava em outra coisa que não fosse combater o fogo, pois bem poderia ser que as chamas estivessem no porão da casa de cada um. Os homens corriam de um lado para outro, abrindo portas e portões.
Quando se abriu o portão junto ao qual estavam a meninazinha e seu cão, Pedro agarrou-a pela mão, ela agarrou a coleira do cachorro, e, no meio da confusão, saíram os três a correr. Enquanto isso, os homens perguntavam em altas vozes:
- Mas afinal, onde é esse fogo? Quem deu o alarme?
Voltando o rosto na direção deles e ajudado pelo vento que soprava contra os dorminhocos logrados, o que lhe aumentava a voz enormemente, Pedro gritou:
- O incêndio é no inferno e está à espera de todos os egoístas que não se comovem com o sofrimento alheio!
Depois de deixar a menina em casa dela e muito contente por ter o cão ao lado, Pedro saiu cautelosamente da cidade, naturalmente receoso de um encontro com os furiosos cidadãos que andavam à procura de quem os havia tirado do melhor do sono com um falso alarme.
Esta é uma das muitas histórias de Pedro Malasartes, e está no livro "Novas aventuras de Pedro Malasartes", de Hernani Donato
Muito bom o texto
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