Pular para o conteúdo principal

História - NOTÍCIAS DO CÉU

Era uma vez uma viúva que voltou a se casar.
Certo dia, enquanto seu marido trabalhava, um mendigo manco bateu à porta e pediu uma ajuda.
A mulher, que gostava muito de c o n v e r s a r, perguntou-lhe de onde vinha. O mendigo, animado com a perspectiva de conseguir uma boa esmola, disse:
- Venho do Céu, com p e r m i s s ã o de Deus. Quero ver se arranjo aqui na Terra algumas coisas que facilitem minha vida lá em cima.
A mulher reagiu surpresa:
- Quer dizer que os habitantes do Paraíso também passam n e c e s s i d a d e?
- E como, senhora! - o mendigo exclamou. - Nem mesmo no Céu existe igualdade de direitos. Lá, o que têm muito vivem melhor do que os que têm pouco... Exatamente como aqui.
A mulher ficou pensativa por alguns momentos. Por fim, disse ao mendigo:
- Meu primeiro marido deve estar por lá, pois era um homem bondoso e sábio. Talvez o senhor conheça.
- Talvez - o mendigo repetiu, com gravidade. - Como é o nome dele?
- João Firmino - disse a mulher.
O mendigo sorriu:
- Claro, como não haveria de conhece-lo se ele é justamente o meu melhor amigo!
- Que incrível coincidência! - a mulher exclamou encantada.
- Pois estou lhe dizendo, senhora. Lá em cima, eu e seu primeiro marido somos unha e carne.
Ansiosa, a mulher pediu:
- Então, dê-me notícias de meu João Firmino. Como é que ele está?
- Infelizmente, não muito bem - o mendigo respondeu, maneando a cabeça com uma expressão de pesar. - Para ser franco. João Firmino anda em sérias dificuldades.
- Que tipo de dificuldades, senhor?
- Financeiras, senhora... Anda sempre mal vestido e nunca tem d i n h e i r o para nada, nem mesmo para as necessidades mais básicas.
- Pobre querido - a mulher murmurou. De súbito, teve uma ideia: - Diga-me, o senhor não poderia levar algumas coisas para ele?
- Claro que sim.
- Então, espere um minuto por favor.
A mulher entrou em casa e logo voltou com muitos presentes para o falecido.
- Aqui estão dois pares de sapatos e algumas peças de roupa: calças, meias, camisas e também a boina da qual João Firmino nunca se separava. O pobrezinho deixou tudo aqui, antes de ir para o Céu. Nem de longe poderia imaginar que a vida lá em cima fosse tão parecida com a que levamos aqui na Terra...
- É mesmo, senhora. Ninguém adivinharia. - Então o mendigo perguntou: - A senhora não teria também algo de comer?
- Claro que sim.- E a mulher explicou: - Providenciei um pouco de toucinho, queijo e alguns pães.
- Está ótimo, senhora. Aposto que João Firmino ficará muito feliz. Mas, depois de se vestir condignamente e saborear todas essas delícias, com certeza desejará coroar a refeição com um bom vinho.
- E o senhor acha que já não pensei nisso? - Sorrindo, a mulher entregou-lhe três garrafas do melhor vinho que tinha em casa.
- Ah, minha senhora, João Firmino ficará tão agradecido!
O mendigo guardou tudo num grande saco que trazia às costas. Já se preparava para ir embora, quando ocorreu-lhe uma nova ideia:
- A senhora não teria também algum dinheiro para mandar a José Firmino?
- Pois era justamente nisso que eu estava pensando.
A mulher deu ao mendigo uma nota e pediu:
- Entregue-a para ele, por favor. Diga-lhe que o amo mais do que qualquer outro homem, inclusive mais do que a  meu atual marido.
- Eu direi, senhora.
Assim, o falso enviado do Céu partiu, coxeando, curvado ao peso dos presentes que levava. Estava tão feliz, que até sentia vontade de dançar.
Enquanto isso, o segundo marido da mulher voltava para casa. Ao vê-lo, a esposa disse radiante:
- Você nem imagina o que aconteceu.
- O que foi? Por que toda essa euforia?
- É que tive notícias do meu querido João Firmino. Soube que ele está no Céu... Mas não tão bem quanto eu imaginava.
- Você diz cada disparate, mulher. O Céu é o lugar ideal para as boas almas que partiram deste mundo. Se João Firmino foi para lá, não poderia ter melhor sorte.
- Acontece que a vida lá em cima é muito parecida com a vida aqui embaixo.
- Mas, afinal, quem foi que lhe deu essa notícia?
- Um mendigo manco que desceu do Céu com a permissão do Senhor- a mulher respondeu. - Aliás, ele foi muito gentil e aceitou levar algumas roupas, alimentos, vinho e dinheiro para João Firmino, que está passando necessidade, pobrezinho.
Compreendendo o que havia acontecido, o marido saiu de casa. Munido de um grande bastão, montou seu cavalo e já ia partir, quando a mulher gritou:
- Ei, aonde você vai?
- Também tenho um presente para aquele enviado do Céu - ele respondeu sem se voltar. - Mas preciso correr se quiser alcança-lo.
Enquanto galopava, o homem ia pensando na surra que daria naquele mendigo mentiroso e aproveitador.
Mas o mendigo, astuto como uma raposa, já esperava por represálias. Caminhava pela estrada receoso e a toda hora olhava sobre os ombros para ver se alguém o seguia.
A certa altura, avistou um cavaleiro a galope, levantando uma nuvem de poeira.
Agindo com rapidez, o mendigo escondeu o grande saco atrás de uns arbustos e sentou-se à beira do caminho.
Quando o marido o viu, fez com que o cavalo parasse e perguntou:
- Você não viu um mendigo manco, levando um enorme saco nas costas?
- Sim senhor. Eu o avistei ainda há pouco. Percebi até que ele estava assustado, pois volta e meia olhava para trás e corria, arrastando a perna direita. E quanto mais olhava para trás, mais depressa o pobre diabo tentava correr. Por fim, acabou entrando naquela trilha cheia de espinheiros. Mas aposto que não conseguirá chegar muito longe, por ali. O senhor não terá dificuldade alguma em alcança-lo.
- Acontece que a trilha é estreita demais para meu cavalo.
- Então vá a pé, senhor. E vá tranquilo, que eu tomarei conta do animal.
- Nesse caso, eu lhe agradeço.
Enquanto o marido se embrenhava na trilha, o mendigo pegou o saco que havia escondido , pendurou-o na sela, montou o cavalo e partiu, agradecendo o destino. Decididamente, aquele era seu dia de sorte.
Horas depois, o marido voltou para casa, triste e abatido. Mas fingiu-se muito calmo, até alegre, para que a mulher não o importunasse com perguntas que ele não gostaria de responder.
Ao vê-lo entrar, ela disse:
- E então? Conseguiu alcançar o mendigo?
- Claro.
- E o que foi que você lhe deu?
- O cavalo... Para que chegasse mais rápido ao Céu!

Este é um Conto Popular Espanhol, que poderia muito bem ser uma história do nosso Pedro Malazartes. A ingenuidade dos personagens é linda! Esta versão foi encontrada no livro já citado aqui, chamado "Contos Populares Espanhóis", selecionados por Yara Maria Camillo.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

História - DONA BARATINHA

Era uma vez uma baratinha que estava varrendo a casa e encontrou uma moeda. Achou que estava rica e já podia se casar. Arrumou-se toda, colocou uma fita no cabelo e foi para a janela. A quem pass ava ela perguntava: - Quem quer casar com a Dona Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha? O primeiro bicho que passou foi o boi, que respondeu: - EU QUERO! Dona Baratinha perguntou: - E como é que você faz de noite? O boi respondeu: - MUUUUUUUU! Ela disse: - Ai não, muito barulho, assim eu não durmo, pode ir embora. E o boi foi embora. Em seguida veio passando o cavalo e Dona Baratinha perguntou: - Quem quer casar com Dona Baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha? O cavalo respondeu: - EU QUERO! Dona Baratinha perguntou: - E como é que você faz de noite? O cavalo respondeu: - IIIIIIIRRRRRIIIIII! Ela disse: - Ai não, muito barulho, assim eu não durmo, pode ir embora. E o cavalo foi embora. Foi passando então o carneiro e Dona Baratinha

História - RAPUNZEL- Irmãos Grimm

Era uma vez um casal que desejava muito ter um filho. O tempo passava e mesmo após anos estando juntos a mulher não engravidava. Até que um dia ela ficou muito feliz ao notar que estava tendo estranhos e diferentes desejos. Finalmente estava esperando um bebê! O marido passou a receber pedidos no meio da madrugada e sempre os atendia, até o dia em que a mulher pediu para comer rapunzel. Naquele lugar onde moravam, as pessoas plantavam hortas em casa e havia uma verdura difícil de ser cultivada, chamada rapunzel. A única horta onde era possível encontrar rapunzel era na casa de uma vizinha do casal, uma mulher muito mau encarada, misteriosa, que só saia de noite. Todos diziam que ela era uma bruxa. A mulher viu a horta da bruxa pela sua pequena janela e desde então só pensava em comer rapunzel. Quando o marido ouviu o pedido da esposa, respondeu que seria melhor ela ter outro desejo, porque este ele não podia atender. Pedir a verdura para aquela bruxa era muito perigoso.

Dançando com o morto

Era uma vez uma mulher que tinha ficado viúva há alguns meses. E tinha achado até bom, porque já não estava lá muito contente com aquele marido. Um dia, arrumando a casa, ela encontrou um montão de notas de dinheiro que o falecido havia escondido debaixo do colchão em segredo. - Ah, desgraçaaado! Cheio do dinheiro e nós nessa pindaíba! Depois da raiva, ficou foi feliz da vida. Levou todo o dinheiro para a mesa da cozinha , chamou o filho e os dois começaram a contar juntos as notas quando, de repente, adivinhe só quem apareceu? O falecido em pessoa! Sim, ele mesmo, o marido, morto. E veio sentar-se à mesa com eles. Mas... a mulher ... não se intimidou não: - O que é que você está fazendo aqui, seu miserável?! Me dá paz! Você está morto! Trate de volta logo para debaixo da terra. - Nem pensar - disse o morto. - Estou me sentindo vivinho. A mulher mandou o filho buscar um espelho . Entregou ao morto para que ele visse a sua cara de cadáver. - É... Estou abatido. Deve se

A Festa no céu

Num tempo em que os animais falavam, correu uma notícia entre os bichos de que ia acontecer uma Festa no Céu! Toda a bicharada ficou animada! Festa!? Oba! Que beleza! E no céu ainda! Ah! Todos queriam ir é claro! Mas, no meio daquele falatório todo, apareceu um beija-flor com uma novidade: - Só poderia ir na festa, bicho que soubesse voar! - O quê? - falou o macaco - Como assim? - resmungou a raposa E todos os que não sabiam voar ficaram muito zangados e chateados... Menos o sapo. É que o sapo já tinha tido uma bela idéia para conseguir chegar à festa: O urubu era o músico do pedaço. Não sabia cantar mas tocava uma viola como ninguém! Pois bem, no dia da festa, o sapo, aproveitando um momento de distração do urubu, entrou pelo buraco e se escondeu dentro da sua viola. O urubu passou a mão na viola e foi voando pra tão esperada noite! Chegando lá, colocou a viola num canto e foi cumprimentar os amigos, tomar uma bebida antes de começar a tocar. Nesta ho

Um presente para o rei

Era uma vez, um rei muito temperamental e insatisfeito. Possuía muitas riquezas e tinha como rainha uma bela esposa que o amava de verdade. Mas, mesmo nos dias mais ensolarados e belos, ele se quedava triste ou aborrecido. Irritava-se por pouco, até mesmo com o grito de uma ave ou uma nuvem mais escura no céu. Os mais belos presentes, de todas as partes do mundo eram trazidos a ele, mas nenhum deles o alegrava. Artistas de todas as artes como mímicos, palhaços, dançarinos e poetas eram convidados para entretê-lo, mas nada o satisfazia. Ninguém no reino sabia o que fazer para agrada-lo. Era muito raro, mas acontecia: algumas manhãs ele acordava se sentindo bem, disposto e alegre, mas logo este estado de ânimo desaparecia, e o rei voltava a cair na mais profunda melancolia. Assim, o que mais ele desejava era algo que o fizesse feliz ou em paz para sempre. Como fixar aqueles poucos momentos de felicidade que às vezes sentia, de modo que nunca passassem? O rei então jun